O 14 Bis
Em 1903, o mundo já havia testemunhado o primeiro vôo dos irmãos Orville e Wilbur Wright com uma aeronave mais pesada que o ar. Só que a máquina dos dois mecânicos norte-americanos era incapaz de alçar vôo sem a ajuda de algum dispositivo - no caso, uma catapulta ou uma pista feita de troncos de madeira. Os irmãos realizaram mais três vôos com o Flyer, e tomaram para si o título de inventores do avião.
Contudo, faltava ser inventada uma máquina voadora com autonomia de pouso e decolagem. Um dos aeronautas mais ativos do começo do século passado, Santos-Dumont concebeu o 14 Bis para concorrer a dois prêmios oferecidos pelas autoridades da aviação francesa a quem conseguisse voar 25 m e 100 m com uma máquina mais pesada que o ar que decolasse por seus próprios meios.
Dumont já havia desenvolvido uma série de dirigíveis que exibiam agilidade, velocidade, resistência e facilidade de controles sem paralelo, e iniciou as pesquisas para o que seria o precursor do avião moderno. Primeiro, adotou a configuração das asas com células Hargrave, uma estrutura em caixa parecida com uma pipa que era usada em planadores e que permitia elevação com peso mínimo. Depois, escolheu um motor muito leve e com grande potência: um Antoinette de 24 HP feito por Léon Levavasseur, que era usado em barcos velozes de corrida. E, em seguida, escolheu o material de que seriam feitas as células e as juntas: seda japonesa, bambu e alumínio. O brasileiro juntou tudo isso e construiu um biplano do tipo canard, com asas na parte traseira e nariz na parte frontal.
A aeronave era um segredo mantido a sete chaves em Neuilly, onde estava o galpão do inventor e sua equipe de construtores e artesãos. Configuradas em diedro, as asas ficavam situadas na parte traseira e continham três células Hargrave. O motor e o propulsor foram posicionados entre as asas, logo atrás do compartimento do piloto. Uma célula móvel no nariz atuava por cabos originalmente fabricados para relógios de igreja, e permitia a pilotagem e os ajustes de altitude. A estrutura do biplano era feita de bambu, seda japonesa e alumínio - materiais leves e resistentes. Dumont já havia usado a seda japonesa em substituição à chinesa na construção de seu primeiro balão a gás de pequeno porte, o Brasil 1.
O biplano de Dumont percorreu a meia milha que separava Neuilly, onde foi construído, do Campo de Bagatelle, onde seria testado, na barriga do seu último dirigível, o nº 14, e puxado por um burro. Devido a essa configuraçao, o avião ficou conhecido como 14 Bis. Nos testes, as forças impostas pela aeronave quase rasgaram o dirigível ao meio. Dumont e sua equipe voltaram para Neuilly e reprojetaram o 14 Bis, ajustando o balanço e o posicionamento do peso do avião, com a ajuda de um cabo de aço conectado a duas varas, uma mais alta que a outra.
Em agosto de 1906, o 14 Bis foi transportado novamente para Bagatelle para os primeiros testes depois dos ajustes. Nesses testes, descobriu-se que o motor Antoinette de 24 HP não tinha potência suficiente para atingir velocidades de vôo. Dumont substituiu-o por um de 50 hp que atingia 1.500 rpm. Em setembro, depois de testes de velocidade bem-sucedidos, Dumont anunciou que tentaria os prêmios aeronáuticos.
Na data marcada, Dumont conseguiu um salto de apenas 13 metros e um motor no chão, não se qualificando para o prêmio, mas não desistiu. Após reparos, no dia 23 de outubro de 1906, o 14 bis finalmente voou quase 70 metros a uma altitude de 3 metros, diante dos olhares estupefatos de mais de 1.000 espectadores e da Comissão Oficial do Aeroclube da França, entidade autorizada a homologar qualquer atividade aeronáutica. Dumont conquistou o prêmio de 3.000 francos por um vôo de 25 metros. Ali mesmo, Dumont anunciou que tentaria o prêmio de 100 metros em 12 de novembro daquele mesmo ano.

planta do 14 bis
Para fazer com que o 14 Bis percorresse uma distância maior, Dumont adicionou ailerons na célula do meio de cada asa. Os ailerons controlavam a estabilidade da aeronave e eram acionados por cabos anexados ao ombro das vestes do piloto. Com uma inclinação dos ombros, Dumont conseguia controlar a rotação dos ailerons e estabilizar o 14 Bis. No dia 12 de novembro, após três tentativas, Dumont e seu 14 Bis voaram 220 metros, a uma altitude de 4 metros. O prêmio de 100 metros também foi conquistado, assim como seu lugar na história da aviação.
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